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Ciências

21/05/2018

Hepatite C no Brasil

Como o Brasil almeja eliminar até 2030 a hepatite C, que causa 400 mil mortes ao ano no mundo

Por Jairo Bouer (Especial para a BBC Brasil, de Londres)

Até 2030, é possível que o Brasil e o mundo consigam conter a hepatite C, um dos maiores problemas de saúde pública globais, com mais de 71 milhões de pessoas infectadas (700 mil delas no Brasil) e 400 mil mortes por ano no planeta.

O motivo principal disso é um grande avanço da medicina: tratamentos com novos antivirais, mais efetivos, de curta duração e com menos efeitos colaterais, têm ganhado escala em diversos países e levado à cura em até 90% dos casos. O Ministério da Saúde universalizou há um mês o acesso a esses novos medicamentos através do Sistema Único de Saúde (SUS), medida que pode ser fundamental para o Brasil alcançar a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) de controle da infecção - embora especialista diga que a universalização ainda precisa ocorrer na prática.

Até o início desta década, os únicos tratamentos disponíveis, com uso combinado de um antiviral mais antigo (ribavirina) e interferon (modulador da resposta imunológica), podiam demorar até um ano, com muitos efeitos colaterais, taxas de sucesso relativamente baixas (cerca de 50%) e risco de retorno da infecção quando os medicamentos eram interrompidos.

Os novos antivirais, conhecidos como DAAs (antivirais de ação direta), usados isoladamente ou em associação, ampliaram o arsenal contra o HCV, encurtaram o tempo de tratamento (para 8 a 12 semanas), têm efeitos colaterais toleráveis e atingem taxas de sucesso na casa dos 90%-95%, mesmo em estágios mais avançados de doença hepática. Até pacientes que antes não tinham indicação para um transplante de fígado (pelo alto risco de recorrência da hepatite C) passaram a ter suas chances reavaliadas. 

Os mais novos DAAs prometem ser ainda mais efetivos, simplificando o tratamento e resolvendo as infecções causadas por qualquer um dos genótipos do vírus (com a geração anterior havia a necessidade de testes genéticos para definir qual droga deveria ser empregada contra cada tipo de HCV).

Além de curar as pessoas, os DAAs trouxeram a esperança da redução significativa do risco de transmissão da hepatite C, o que levou os especialistas a considerarem a perspectiva de uma eventual eliminação de novas infecções pelo HCV.

Segundo Hugo Cheinquer, professor titular de hepatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, eliminar não equivale a erradicar o vírus, o que dependeria provavelmente de uma vacina (que não existe) aplicada na maior parte da população. Eliminar o vírus até 2030, de acordo com as metas da OMS, significa reduzir em até 90% a chance de novas infecções e a diminuição em até 65% do número de mortes causadas pela hepatite C. 

Doença silenciosa

Um dos grandes desafios hoje é identificar quem possui a doença, mas desconhece sua condição, já que ela pode permanecer "silenciosa" por décadas. Outra barreira é garantir que o tratamento seja, de fato, acessível para todos os infectados, já que o custo elevado e a logística de distribuição dos medicamentos podem ser limites importantes para os sobrecarregados sistemas de saúde pública dos países em desenvolvimento.

A infecção pelos vírus da hepatite C (HCV) é transmitida basicamente pelo sangue. A maior parte dos portadores se infectou em transfusões realizadas antes de 1992 (quando ainda não existiam testes específicos para detecção do vírus nos bancos de sangue) ou ao compartilhar agulhas e seringas, principalmente entre usuários de drogas injetáveis. Em quase um terço dos casos se desconhece a origem da infecção (transmissão na gestação, sexo sem proteção ou uso de materiais domésticos ou hospitalares com sangue contaminado são algumas possibilidades).

Brasil

Dados do Ministério da Saúde estimam que 700 mil pessoas estão cronicamente infectadas com o HCV. Aproximadamente dois terços desse montante não sabem que têm a doença. Foram realizados 319 mil diagnósticos de 1999 até 2016 e, cerca de 67 mil pessoas já receberam os novos tratamentos contra hepatite C.

De acordo com Cheinquer, descontados os casos tratados e os óbitos no período, cerca de 100 mil pessoas estão hoje na "fila de espera" dos novos medicamentos no SUS, além daqueles que ainda vão ser identificados. O plano para atingir a meta da OMS até 2030 prevê o tratamento de cerca de 600 mil pessoas.

Um modelo matemático da eliminação da hepatite C, apresentado pelo Ministério da Saúde no último Congresso Internacional do Fígado, que aconteceu em Paris no início de abril, mostra que um esforço concentrado do país, a partir de 2018, para aumentar a detecção de casos nas populações de alta prevalência e a ampliação do acesso aos novos medicamentos, tornaria possível alcançar os objetivos da OMS.

Segundo Edison Parise, presidente do Instituto Brasileiro do Fígado, da Sociedade Brasileira de Hepatologia, a boa notícia é que no mês passado, o tratamento no Brasil, antes restrito a pacientes com doença avançada (apenas graus 3 e 4 de fibrose no fígado), foi universalizado para todos pacientes que testem positividade para o vírus, independentemente da gravidade da doença.


Esta notícia foi publicada em 19/05/2018 no site bbc.com. Todas as informações nela contida são de responsabilidade do autor.

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